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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O regresso dos jihadistas aos países de origem

Alexandre Guerra, 24.10.17

 

Os ganhos conquistados no terreno pelas várias frentes de combate contra o Estado Islâmico (IS), e que levaram à reconquista de Raqqa (até aqui, o reduto daquele movimento terrorista), é, naturalmente, um motivo de satisfação, já que confirma a tendência que se tem vindo a verificar desde 2015, com o encolhimento do território que tem estado sob o domínio terrorista no Iraque e na Síria. O problema é que muitos dos terroristas que estavam nesses territórios estão agora a regressar aos seus países de origem, muitos deles na Europa. Os números avançados pelo think tank Soufan Center falam em cerca de 5600 jihadistas que agora estão de regresso e que representarão uma ameaça para os próximos anos. Ao todo, são 33 países que confirmaram as chegadas destes militantes islâmicos, sendo que, por exemplo, só no Reino Unido foram registadas 850 entradas. Este número equivale mais ou menos a metade dos cidadãos britânicos que se estima terem ido para os países do Médio Oriente para se juntarem às fileiras do EI. De acordo com os dados compilados neste relatório, desde a criação do EI em 2013, perto de 40 mil estrangeiros de 110 países juntaram-se àquele movimento. Até ao momento, o Soufan Center conseguiu confirmar as identidades de 19 mil jihadista, um número impressionante e que prova a capacidade de mobilização e recrutamento do Estado Islâmico. Dos 5600 militantes islâmicos que regressaram aos seus países de origem desde 2015, 400 são russos, 760 são sauditas, 800 são tunisinos e 271 são franceses, além dos 850 acima referidos que voltaram ao Reino Unido. 

 

“Enough is enough”, disse May. Mas só agora?

Alexandre Guerra, 05.06.17

 

Na ressaca de mais um atentado terrorista em Londres, Theresa May, confrontada com aquilo que de pior pode acontecer a um líder político – que é o de não conseguir garantir a segurança dos seus concidadãos –, disse uma coisa extraordinária e reveladora da impotência da chefe de Governo na luta antiterrorista que, como se sabe, é sobretudo feita ao nível da prevenção. “Enough is enough”, disse May à porta do Nº 10 de Downing Street, palavras que só podem causar estranheza pelo timing em que foram proferidas, se atendermos ao histórico sangrento do Reino Unido em matéria de terrorismo. A ideia que transparece é que só agora May chegou à conclusão de que “já é de mais” toda esta violência, que havia uma linha vermelha que só agora foi cruzada pelos terroristas islâmicos. Só agora? Um desastre completo em matéria de “public relations”, já para não falar nas acusações disparatadas às grandes empresas tecnológicas, por, supostamente, permitirem “safe space” para os terroristas difundirem a sua propaganda ideológica através das várias plataformas da Internet.

 

A questão é que, provavelmente, gigantes como a Google ou a Facebook têm feito muito mais dentro das suas competências e possibilidades do que o Governo liderado por May em matéria de contra-terrorismo. "Blaming social media platforms is politically convenient but intellectually lazy", dizia à BBC News a este propósito, Peter Neumann, director do International Centre for the Study of Radicalisation (ICSR) no King's College de Londres. É claro que muito mais pode ser feito por estas empresas na restrição do acesso por parte dos terroristas às suas plataformas, mas a questão que deve ser ponderada pelas agências anti-terroristas e forças de segurança britânicas é se a estratégia que está a ser seguida é a mais indicada. Existem muitas dúvidas em relação a essa matéria e, apesar de Theresa May já ter anunciado que vai rever a estratégia global contra-terrorista, neste momento, não parece estar à altura dos acontecimentos e vamos ver até que ponto isso não se irá reflectir nos resultados das legislativas de Quinta-feira.

 

Convém, aliás, não esquecer que May foi Secretária da Administração Interna entre 2010 e 2016, tendo Jeremy Corbyn, líder do Labour, acusado-a de nesses anos ter cortado no financiamento às polícias. A Sky News mostrava esta Segunda-feira de manhã um gráfico arrasador para May, em que mostrava um decréscimo anual do número de polícias durante os anos em que tutelou a Administração Interna. O mesmo Corbyn, juntamente com o líder dos Democratas Liberais, Tim Farron, pressionaram ontem à noite a primeira-ministra para divulgar um relatório sobre os supostos financiamentos aos movimentos jihadistas que operam no Reino Unido. Um documento que devia ter sido apresentado na Primavera do ano passado, mas que até ao momento não saiu da gaveta, tendo, entretanto, o Governo informado que ainda não está pronto para ser divulgado. O problema é que esse relatório incide sobre a Arábia Saudita, um país a quem o Reino Unido vendeu nos últimos dois anos cerca de 3,3 mil milhões de libras em armamento.

 

Numa altura em que o Reino Unido precisa de um líder forte para enfrentar um dos períodos mais difíceis da sua história moderna, May está demasiado frágil para levar por diante essa combate que é preciso travar. E se na Quinta-feira não conseguir obter, pelo menos, uma maioria com 12 deputados de diferença – que é aquela que existe actualmente, herdada de David Cameron –, a sua força política ficará comprometida e os terroristas verão nisso uma oportunidade para espalhar ainda mais terror.

 

642

Alexandre Guerra, 23.05.17

 

O terrorismo, sob as suas diversas formas, é um fenómeno que esteve sempre presente na Europa. Se formos a ver bem, o rastilho da I Guerra Mundial é aceso com um acto terrorista. Ao longo das décadas posteriores, o Velho Continente foi assistindo à emergência de vários grupos terroristas, com inspirações ideológicas várias e objectivos circunscritos a uma específica realidade, mas nunca estando em causa a ameaça generalizada a um determinado estilo de sociedade ocidental. Mesmo movimentos terroristas muçulmanos (alguns ligados à causa palestiniana) que surgiram nos anos 70, 80 e 90 tinham nas suas “declarações de guerra” fins muitos bem definidos que pouco ou nada tinham a ver com a destruição do modo de vida ocidental.

 

A Globalização que ganha força no início dos anos 90 após a queda do sistema bipolar das Relações Internacionais veio tornar o mundo mais igual, mais “flat” (pedindo emprestada uma expressão a Thomas Friedman), mas este movimento acaba por criar um paradoxo. Porque, se, por um lado, vai tornando o mundo cada vez mais interdependente e comunicativo entre os países, culturas e religiões, por outro, vai realçando as fracturas dos diferentes paradigmas de sociedade, criando fricções ou, se preferirmos, os tais “choques” de civilizações de que Huntington falava.

 

Se é verdade que Huntington identificava zonas geográficas claras de confronto entre civilizações, o terrorismo global fundado por Osama bin Laden acabaria por levar esse “choque” para as ruas de cidades como Nova Iorque, Paris, Bélgica ou Londres. A al Qaeda é a primeira “multinacional” do terrorismo, com “franchisados” em quase todo o mundo, e a partir desse momento vai inspirando cada vez mais seguidores. Os ataques de 11 de Setembro de 2001 a Nova Iorque e a Washington são uma espécie de “apresentação” hollywoodesca ao “mercado”, sendo que já antes a al Qaeda tinha actividade e era sobejamente conhecida das autoridades, mas totalmente desconhecida do grande público e jornalistas. As imagens dos aviões a embater nas Torres Gémeas a sua consequente queda foram de tal maneira impressivas, com quase três mil mortos, que a al Qaeda ganhou a tal notoriedade que pretendia para poder mobilizar, recrutar e inspirar milhares de militantes radicais em diferentes partes do mundo que estavam “adormecidos”. Tudo o resto, nomeadamente o Estado Islâmico, já é uma consequência disso.

 

Se verificarmos a lista dos principais atentados do terrorismo islâmico na Europa desde 2004, chegamos ao número 642. É o número de pessoas que morreram desde aquele ano até hoje. É certo que a ETA matou mais de 800 pessoas desde a sua fundação em 1959 e o IRA Provisório terá matado cerca de 1800 pessoas entre 1969 e 1997, mas escusado será sublinhar as diferenças evidentes nos tipos de terrorismo em causa e das suas finalidades. Numa análise fria, convenhamos, foram tantas as notícias de mortes em Espanha e no Reino Unido por causa daqueles movimentos e, para lá da comoção momentânea, as pessoas nos vários países europeus nunca sentiram que os seus modelos de sociedade estivessem em causa e muito menos a segurança dos seus estilos de vida. Era um conflito lá “deles”, ou seja, não havia uma sensação de ameaça generalizada na Europa.

 

Ora, ataques como o de ontem em Manchester resultam de uma guerra generalizada e arbitrária à Europa, infligindo o medo e o receio transversais a todos os seus cidadãos, estejam onde estiver, vivam onde viver. E o pior é se cada cidadão começa a pensar que podia fazer parte daquelas 642 pessoas que morreram nos últimos anos em várias cidades europeias, em locais tão comuns, como um mercado ou uma sala de concerto, e isso condicionar a sua liberdade. Se isso vier a acontecer, é a partir desse momento que o terrorismo começa a vencer.

 

Texto publicado originalmente no Delito de Opinião.

 

Um (pequeno) guião para se compreender melhor este terrorismo e anti-terrorismo

Alexandre Guerra, 30.03.16

 

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1. Antes de mais, é preciso compreender a natureza específica deste terrorismo de que se está a falar hoje em dia na Europa (e não só), porque sem isso é impossível delinear uma estratégia anti-terrorista eficaz. O perfil dos cidadãos ocidentais que nos últimos anos foram para a Síria e Iraque (a maior parte sunita), para serem islamizados ou para se juntarem às fileiras do Estado Islâmico ou da Frente al-Nusra, é muito diferente daquele que, por exemplo, levou outras tantas pessoas a juntarem-se a grupos muçulmanos no Afeganistão, nos anos 80, ou na Bósnia, nos anos 90. Vejam-se algumas diferenças: um dado interessante é o aparecimento de mulheres europeias neste fenómeno mais recente, não necessariamente na frente de batalha na Síria ou no Iraque, mas em tarefas de apoio, tais como policiamento local ou através de casamentos, de modo a permitir a dupla nacionalidade ou o passaporte a potenciais terroristas; depois, estamos a falar de recrutas muito mais jovens do que aqueles que combateram no Afeganistão ou nos Balcãs; mas muito importante, é desconstruir o mito de que estes jovens europeus que têm ido para a Síria ou para o Iraque não tinham qualquer relação com o islamismo mais extremado. É falso, na verdade, muitos deles, de forma mais ou menos indirecta, tinham uma relação com o jihadismo, já para não falar com práticas de criminosas; outra diferença muito importante prende-se com a facilidade de comunicação e disseminação da mensagem. Embora continue a ser um centro de propaganda muito importante, a mesquita deixou de ser o único canal de comunicação para ideias extremistas. Por exemplo, a revolução de 1979 no Irão e que levou ao poder o regime dos ayatollahs foi praticamente instigada através de discursos gravados em cassetes e reproduzidos em mesquitas iranianas, mas esses tempos já lá vão. Ora, se já a al Qaeda o tinha feito com grande eficácia, o Estado Islâmico apurou e potenciou as ferramentas que actualmente existem ao nível das tecnologias de informação e comunicação para poder levar por diante a sua missão. Ainda no ano passado, entre várias acções nas "redes" e na internet, publicou dois guiões on line para ensinar os seus operacionais a infiltrarem-se e a “sobreviver” no Ocidente, além de todo o tipo de conhecimentos técnicos para produzirem engenhos explosivos, esconderem armas em compartimentos secretos num automóvel, escapar à vigilância policial, entre outros.

 

2. Segundo a Europol, existem actualmente na Europa cerca de 5000 europeus jihadistas que terão estado na Síria e no Iraque. A Bélgica é o principal fornecedor de jihadistas per capita dos países da Europa Ocidental. Por exemplo, cerca de 450 cidadãos numa população de 11 milhões foram para a Síria. Há uma outra estimativa que aponta quase para 600. A maioria deles junta-se ao Estado Islâmico ou à Frente al-Nusra.

 

3. Quanto ao facto de meses depois dos atentados de Paris a Europa voltar a ser assolada por novos atentados, é importante sublinhar que desde 15 de Novembro até hoje não foram feitos, na verdade, muitos progressos ao nível da resposta europeia comum anti-terrorista. Relembre-se que, na altura dos atentados de Paris, a União Europeia não activou a cláusula de solidariedade prevista no artigo 222 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que implicaria uma resposta coordenada e colectiva dos vários Estados-membros, tendo antes o Governo francês preferido optar pelo artigo 42 do Tratado da União Europeia, que situou a resposta no plano intergovernamental. Isto teve uma razão, que era a França querer total liberdade para responder da forma que pretendia aos atentados e de imediato tomou medidas concretas ao avançar para os ataques aéreos a bases do Estado Islâmico na Síria. O problema é que do lado da União Europeia pouco foi feito à excepção do reforço ou finalização de algumas medidas que já estavam em curso, tais como o fortalecimento das fronteiras externas, o combate ao tráfico de armas, o controlo do financiamento a grupos terroristas, o melhoramento na troca de informação entre Estados-membros ou a finalização do Passenger Name Record (PNR), que está neste momento em avaliação no Parlamento Europeu. Entretanto, está em cima da mesa uma proposta de directiva europeia que pretende actualizar ou melhorar os mecanismos de criminalização de alguns actos associados indirecta ou directamente a terrorismo, tais como alguém viajar com uma finalidade ligada a terrorismo, financiamento, treino, apoio logístico, entre outros. No âmbito da Europol, foi criado o novo centro antiterrorista com sede em Haia e que arrancou com 40 analistas. A questão é que todas estas medidas, além de não serem propriamente novas, não parecem ser suficientemente ambiciosas para lidar com um problema que só pode ser resolvido com acções efectivas comuns de "intelligence", policiais e militares.

 

4. E já agora, faça-se este pequeno exercício: com tanto que se tem falado em terrorismo e anti-terrorismo nos últimos tempos, quantas vezes os jornais ou televisões têm mencionado o nome do Coordenador da Luta Antiterrorista da União Europeia? Que eu me tenha apercebido, poucas ou nenhuma. Aliás, provavelmente, poucos saberão o seu nome. Chama-se Gilles de Kerchove e já está no cargo deste 2007. É sintomático.

 

A percepção do terror

Alexandre Guerra, 29.06.15

 

Por mais que custe admiti-lo, o Estado Islâmico (ISIS) tem sido muito eficaz na propagação do terror, ou melhor dizendo, na propagação de uma sensação de terror a uma orla cada vez mais distendida e que já se aproxima, perigosamente, da costa do sul da Europa. E o problema é que basta um atentado para que o ISIS coloque em causa um dos bens mais preciosos de países como a Tunísia: a sua relativa estabilidade de segurança. De facto, a Tunísia, no conjunto dos países do Magreb, sempre foi aquele que melhores condições de segurança apresentou, um vector essencial para a dinamização do turismo e que, aliás, cativou ao longo dos últimos anos muitos portugueses. Ali, com um voo de pouco mais de duas horas entre Lisboa e Tunis, já podiam encontrar um "cheirinho" da cultura árabe, boas praias, bons hotéis, costumes relativamente ocidentalizados e...segurança. Até ontem.

 

Essa estabilidade de que a Tunísia gozava até ontem (excepto durante aquele período mais conturbado da fantasiosa "Primavera Árabe" e de um atetntado mais recente) é hoje uma miragem, não necessariamente em termos objectivos e de segurança, mas naquilo que é a percepção das pessoas. Na verdade, a Tunísia será nos próximos dias um dos países mais vigiados e seguros do mundo, mas não é por isso que milhares de turistas cancelaram as suas férias e tentam regressar a casa.  

 

Este ataque na Tunísia deve alertar as consciências dos líderes políticos de Portugal, Espanha e França, cujas suas costas do sul são fortes atractivos turísticos e, nalguns casos, estão a relativos poucos quilómetros do norte de África.  Porque, qualquer estratego do ISIS saberá que um atentando numa praia do Algarve, da Costa do Sol ou da Côte d'Azur é o suficiente para, além das consequências humanas directas, inflingir danos douradouros na imagem de tranquilidade e calmaria que estes locais hoje em dia representam para milhares de turistas. E como foi dito acima, bastava um atentado, mesmo sem vítimas, para que os objectivos do ISIS se revelassem cumpridos. A percepção mudaria...

 

O problema da teoria de Hersh: ninguém consegue guardar segredo em Islamabad

Alexandre Guerra, 11.05.15

 

Embora se saiba que os governos em geral, e o americano em particular, caem, por vezes, na tentação de camuflar factos, reescrever alguns acontecimentos e, até mesmo, ficcionar a realidade, o Diplomata está com alguma relutância em aceitar a versão do conceituado jornalista, Seymour M. Hersh, sobre os contornos em ocorreu a operação que conduziu à morte de Osama bin Laden, e que coloca em causa a posição oficial da Casa Branca .

 

A nova teoria de Hersh foi publicada esta Segunda-feira no London Review of Books e, entre outras coisas, é referido que, ao contrário do que Washington sempre disse, os chefes dos serviços secretos (ISI) e do Exército paquistaneses teriam conhecimento prévio da operação militar norte-americana para capturar bin Laden. 

  

Ora, além de não identificar qualquer fonte concreta, limitando-se a classificações genéricas, a versão de Hersh admite que as autoridades paquistanesas teriam mesmo bin Laden à sua guarda e que foram informadas por Washington do que estaria prestes a acontecer. Mas é aqui que a questão levanta mais dúvidas ao Diplomata. Conhecendo-se os alinhamentos próximos que existiam nalguns sectores das forças armadas e das secretas paquistanesas com bin Laden, dificilmente não chegaria ao seu conhecimento a informação de que estaria um ataque iminente à residência fortificada de Abbotabad. Porque, a verdade é que um dos grandes problemas de Islamabad no combate ao terrorismo foi a inconsistência e a divisão das suas cúpulas no que ao empenhamento na "caça" a bin Laden dizia respeito.  

 

O Diplomata acredita que se alguém do Exército ou do ISI soubesse que Washington iria desenvolver uma operação militar para capturar ou eliminar bin Laden, seguramente que aquele que era o inimigo número 1 dos Estados Unidos não estaria na noite de 1 para 2 de Maio naquele casa fortificada em Abbotabad.

 

E assim vai o terrorismo...

Alexandre Guerra, 08.04.15

 

Quando se fala hoje em dia de terrorismo islâmico é importante perceber a suas diferentes nuances, já que não se está a falar exactamente da mesma coisa. Na verdade, existem diferentes realidades em diferentes contextos e que devem ter abordagens interpretativas diferentes. Por exemplo, o fenómeno do terrorismo internacional da al Qaeda não deve ser confundido com o terrorismo que durante anos foi praticado por movimentos ligados à libertação palestiniana. Tal como o terrorismo uigure (muçulmano), na região de Xiangxiang na China, ou aquilo que o PKK fez durante anos na Turquia (e não só), não deve ser comparado com os actos praticados pelo Estado Islâmico. É preciso perceber que por detrás destes diferentes movimentos, existem diferentes motivações e objectivos. 
 
Actualmente, é importante notar que dentro do terrorismo islâmico existem interesses contrários e que estão em confronto em locais como no Iraque ou no Iémen. Basicamente, estes dois confrontos espelham uma rivalidade crónica entre sunitas e xiitas. O Estado Islâmico no Iraque, maioritariamente sunita radical, tem estado a ser combatido por xiitas (apoio do Irão) ou sunitas moderados (iraquianos, sauditas, etc).
 
Já no Iémen, os terroristas Houthi são xiitas radicais e estão a ser apoiados pelo Irão no combate ao Governo de Sanaa. Ao mesmo tempo, o movimento da al Qaeda na Península Arábica,sunita radical e apoiado pela al Qaeda, combate os Houthis e o Governo. Entretanto, o Estado Islâmico também se está a imiscuir no Iémen para enfraquecer a filial da al Qaeda. De notar que estes dois movimentos transnacionais, sunitas, são rivais.     
 
Na Somália, o movimento terrorista al Shabab tem provocado a desestabilização nos últimos anos, levando mesmo à queda do seu Governo. As acções daquele movimento têm igualmente se estendido ao Quénia, país que em 2011 enviou um contingente militar para intervir na Somália, precisamente para combater a al Shabab. Este movimento, ao contrário de outros, não tem ligações fortes nem alinhamentos com polos de poder sunitas (Arábia Saudita) ou xiitas (Irão), já que se trata de um grupo de cariz sobretudo criminoso, assente na pirataria. No entanto, desde 2012 que estabeleceu alguns laços com a al Qaeda, assim como com alguns movimentos africanos, tais como o Boko Haram. 
 

Da emoção à razão

Alexandre Guerra, 11.01.15

 

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Manifestação em Paris este Domingo/Foto: Le Monde 

 

Por razões compreensíveis, a emoção levou para a rua milhares de pessoas em várias cidades europeias, num gesto simbólico contra o terrorismo e em defesa dos pilares fundamentais das sociedades ocidentais, mas quando chegar a hora da razão, a pergunta que se impõe é a seguinte: até onde estarão estas mesmas pessoas dispostas a ir quando forem confrontadas com a necessidade de mudarem comportamentos e de o Estado assegurar mais recursos logísticos e financeiros para a luta anti-terrorista e para as operações de "intelligence"?

 

O negócio dos raptos da al Qaeda e afiliadas

Alexandre Guerra, 30.07.14

 

O New York Times divulgou os valores dos resgates pagos por alguns países, quase todos europeus, à al Qaeda ou a outras organizações terroristas subsidiárias, desde 2008. São cerca de 93 milhões de euros, apesar dos governos negarem sempre quaisquer tipo de pagamentos aos terroristas que têm sequestrado cidadãos das suas nacionalidades. 

 

A França surge no topo da lista, com mais de 43 milhões de euros pagos, seguida da Suíça (9,25 milhões de euros), da Espanha (8,2 milhões) e da Áustria (2,3 milhões). Também o Omã e o Qatar fazem parte desta lista, despendendo ambos 15,2 milhões de euros para libertar cidadãos europeus.

 

O jornal americano salienta que estes são apenas os valores conhecidos, porque é muito provável que muitas outras operações tenham acontecido. Segundo o NYT, a filial da al Qaeda no Magrebe tem sido o grupo que mais tem facturado, com mais de 68 milhões de euros desde 2008.