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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

O desinteresse pelo Iémen

Alexandre Guerra, 15.10.18

 

Nos dias que correm, no seio do conforto da “pólis” ocidental, surgem movimentos sociais quase que por combustão espontânea, a maior parte deles criados e inflamados pelas redes sociais, sem qualquer tipo de sustentação doutrinária ou liderança consistente. São uma espécie de furacão que apanha tudo à frente, destruindo indiscriminada e cegamente, não tendo destino definido nem rota traçada. A agenda mediática e opinativa vai atrás e a classe política “alinha-se” com o que está a dar. As massas acabam por consumir aquilo que diariamente lhes chega, desprovidas de espírito crítico e muito menos analítico. Isto tem sido assim nos últimos tempos, com consequências que, ao contrário do que muitos dizem, não perspectivam necessariamente uma evolução do estádio dos valores humanistas. E isso é tão mais certo quando cerca de 13 milhões de pessoas, a muito curto prazo, dois/três meses, correm o risco de ficar numa situação de fome absoluta, sem que se veja qualquer movimento de indignação da comunidade internacional ou corrente de solidariedade que as redes sociais tanto gostam de criar com os seus hashtags. Seguramente, haverá outros temas prioritários que suscitam o entusiasmo daqueles “activistas” de dedo rápido no teclado do computado ou do telemóvel.

 

Há meses que a ONU e outras ONG a operarem no terreno têm alertado para o drama humanitário que se vive no Iémen, resultante do conflito que opõe os radicais houthi, apoiados pelo Irão, às forças governamentais aliadas com a Arábia Saudita. Perante isto, as palavras de Lise Grande, responsável da ONU pela coordenação da missão humanitária no Iémen, são reveladoras: “I think many of us felt as we went into the 21st century that it was unthinkable that we could see a famine like we saw in Ethiopia, that we saw in Bengal, that we saw in parts of the Soviet Union – that was just unacceptable.” O problema é que, para os mesmos que se insurgem ruidosamente perante alguns "dramas" do Ocidente, o que se passa no Iémen parece ser perfeitamente aceitável, pelo menos a julgar pelo seu silêncio e desatenção.

 

E assim vai o terrorismo...

Alexandre Guerra, 08.04.15

 

Quando se fala hoje em dia de terrorismo islâmico é importante perceber a suas diferentes nuances, já que não se está a falar exactamente da mesma coisa. Na verdade, existem diferentes realidades em diferentes contextos e que devem ter abordagens interpretativas diferentes. Por exemplo, o fenómeno do terrorismo internacional da al Qaeda não deve ser confundido com o terrorismo que durante anos foi praticado por movimentos ligados à libertação palestiniana. Tal como o terrorismo uigure (muçulmano), na região de Xiangxiang na China, ou aquilo que o PKK fez durante anos na Turquia (e não só), não deve ser comparado com os actos praticados pelo Estado Islâmico. É preciso perceber que por detrás destes diferentes movimentos, existem diferentes motivações e objectivos. 
 
Actualmente, é importante notar que dentro do terrorismo islâmico existem interesses contrários e que estão em confronto em locais como no Iraque ou no Iémen. Basicamente, estes dois confrontos espelham uma rivalidade crónica entre sunitas e xiitas. O Estado Islâmico no Iraque, maioritariamente sunita radical, tem estado a ser combatido por xiitas (apoio do Irão) ou sunitas moderados (iraquianos, sauditas, etc).
 
Já no Iémen, os terroristas Houthi são xiitas radicais e estão a ser apoiados pelo Irão no combate ao Governo de Sanaa. Ao mesmo tempo, o movimento da al Qaeda na Península Arábica,sunita radical e apoiado pela al Qaeda, combate os Houthis e o Governo. Entretanto, o Estado Islâmico também se está a imiscuir no Iémen para enfraquecer a filial da al Qaeda. De notar que estes dois movimentos transnacionais, sunitas, são rivais.     
 
Na Somália, o movimento terrorista al Shabab tem provocado a desestabilização nos últimos anos, levando mesmo à queda do seu Governo. As acções daquele movimento têm igualmente se estendido ao Quénia, país que em 2011 enviou um contingente militar para intervir na Somália, precisamente para combater a al Shabab. Este movimento, ao contrário de outros, não tem ligações fortes nem alinhamentos com polos de poder sunitas (Arábia Saudita) ou xiitas (Irão), já que se trata de um grupo de cariz sobretudo criminoso, assente na pirataria. No entanto, desde 2012 que estabeleceu alguns laços com a al Qaeda, assim como com alguns movimentos africanos, tais como o Boko Haram. 
 

O memorando secreto de Obama com "licença para matar"

Alexandre Guerra, 09.10.11

 

 

“Licença para matar” terroristas é o que parece estar implícito num memorando secreto de 50 páginas, assinado pelo Presidente Barack Obama no ano passado, e agora revelada a sua existência, que enquadrou legalmente o assassinato de Anwar al Awlaki, um clérigo radical americano escondido no Iémen, morto no passado dia 30 de Setembro por um drone não tripulado.

 

À luz daquele documento, extrapola-se que qualquer assassinato selectivo que conduza à morte de um terrorista, caso falhem todas as tentativas para o capturar vivo, não será considerado ilegal, apesar de contrariar toda a legislação existente interna e internacional.

 

Embora a prática dos assassinatos selectivos não seja uma novidade no âmbito da “guerra ao terrorismo”, sobretudo em países como o Iémen ou o Paquistão, a verdade é que todo o seu enquadramento tem estado numa nebulosa densa e sido alvo de uma acesa polémica.

 

A revelação pública deste memorando coloca Obama numa situação desconfortável, sobretudo porque esta administração, tal como a anterior, diga-se, tem negado a existência de uma política secreta de assassinatos selectivos.

    

Iémen, o perigo de uma nova Somália

Alexandre Guerra, 20.09.11

 

Mulheres iemenitas mostram as mãos com sangue depois de terem ajudado companheiros seus, feridos durante a manifestação contra o Governo de Saleh/Foto: Mohammed Huwais/AFP/Getty Images

 

O Iémen está a “ferro e fogo” há várias semanas, embora a situação há muito se arraste. Segundo as últimas informações, desde Domingo terão morrido 50 pessoas, depois das forças governamentais terem carregado sobre manifestantes em Sanaa.

 

Apesar da violência que assola o País, são poucos os correspondentes estrangeiros e enviados especiais que lá estão, com a comunidade internacional a dar pouca atenção ao que por ali se passa, talvez distraída com a “crise” económico-financeira e com a Líbia.

 

Seja como for, há muito que era previsível que aquele Estado se poderia tornar num cenário de conflito interno, tendo condições para se vir a transformar num “Estado falhado”, uma espécie de nova Somália, e assim um vespeiro de terroristas e todo o género de “piratas”.

 

O autor destas linhas há algum tempo que acompanha os acontecimentos naquele País, tendo chamado a atenção a 3 de Setembro de 2009 para o que se estava a passar no terreno. A 10 de Janeiro de 2010 voltaria ao tema, que seria relembrado já este ano, a 21 de Março.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.

 

O mundo tem os olhos na Líbia, mas não deve esquecer o Iémen

Alexandre Guerra, 21.03.11

 

Manifestantes na passada Sexta-feira em Sanaa, Iémen, depois dos disparos das forças governamentais/Foto:AP

 

Enquanto a comunidade internacional está focada na Líbia, o Presidente do Iémen, Ali Abdullah Saleh, celebra esta Segunda-feira o seu 69º aniversário num ambiente de pré-guerra civil, como alguns dos mais respeitados militares daquele país sustentam.

 

No poder desde 1978, Saleh enfrenta o seu derradeiro momento político à frente dos desígnios iemenitas, com a população em fúria nas ruas, inspirada nas revoltas da Tunísia e do Egipto, à procura da sua “mudança de regime”.

 

Num país dominado pela pobreza, com um terço de desempregados, uma taxa de iliteracia acima dos 50 por cento e onde a população tem uma média de idade de 18 anos, estão criadas as condições para um conflito sangrento.

 

Manifestantes contra o Governo carregam os feridos/Foto:AP

 

Ainda na Sexta-feira passada, mais de 40 pessoas foram mortas quando participavam numa manifestação contra o Governo. Vários homens vestidos à civil, ao serviço do Governo, dispararam sobre os manifestantes, naquilo que a oposição classificou de massacre.

 

Na sequência destes acontecimentos, milhares de pessoas fizeram questão de estarem presentes nos funerais das vítimas, num claro sinal de protesto contra Saleh. Vários membros do Governo pediram a sua demissão.

 

Em termos políticos, Saleh viu ainda o General Ali Mohsen al-Ahmar, figura proeminente no Iémen e até agora próxima do Presidente, a dar o seu apoio público aos movimentos revoltosos. "The crisis is getting more complicated and it's pushing the country towards violence and civil war", disse aquele general em comunicado divulgado pela televisão al-Jazeera. "According to what I'm feeling, and according to the feelings of my partner commanders and soldiers... I announce our support and our peaceful backing to the youth revolution. We are going to fulfil our duties in preserving security and stability."

 

Uma criança dá apoio aos feridos após os disparos sobre a manifestação/Foto:AP 

 

A “deserção” al-Ahmar foi um rude gole na estrutura de poder de Saleh que, como dizia o correspondente da BBC em assuntos de Defesa, Frank Gardner, está cada vez mais frágil. Outras figuras do Estado, como governadores e embaixadores no estrangeiro, também estão a pedir as suas demissões depois dos acontecimentos de Sexta-feira.

 

Entretanto, o Presidente Saleh continua a desafiar o movimento revolucionário, impondo o “estado de emergência” e afirmando que travará qualquer tentativa de “golpe” em nome da estabilidade e segurança.    

 

Uma estabilidade e segurança cada vez mais difíceis de manter num país que há vários anos enfrenta diversos problemas, com tribos xiitas a Norte em guerra permanente com o Governo central em Sanaa e com o vespeiro dos militantes da al-Qaeda a Sul, os quais têm sido combatidos por Washington através de um massivo apoio militar ao regime de Saleh.

 

No entanto, os recentes acontecimentos estão a provocar alterações de alinhamentos entre Washington e Sana e é muito provável que os Estados Unidos comecem a distanciar-se de Saleh, reforçando uma aproximação ao general al-Ahmar.

 

... E de repente todos se lembraram que havia um problema chamado Iémen

Alexandre Guerra, 10.01.10

 

Em Setembro último, o Diplomata escrevia neste espaço um texto sobre a sensível situação que se vivia no Iémen, um estado à beira de se fragmentar e de se tornar um santuário de terroristas. 

 

E já na altura, o Diplomata referia que o "Iémen tem sido um dos palcos mais activos nas movimentações terroristas e antiterroristas desde os atentados do 11 de Setembro. Foi aliás neste país que a CIA procedeu pela primeira vez a assassinatos selectivos no âmbito da "guerra ao terrorismo" lançada pelo ex-Presidente George W. Bush".

 

Mas o mais intrigante no meio disto tudo é que o Diplomata chegou a esta conclusão sem que tivesse acesso a toda a informação de "intelligence" que, certamente, Londres e Washington têm ou às fontes e recursos que os principais meios de comunicação social internacionais dispõem.

 

À excepção da BBC News, o Iémen tinha estado até há uns dias praticamente ausente das notícias internacionais, apesar se verificar uma agitação terrorista muito preocupante naquele país.

 

Atendendo à estranha repentina preocupação de Washington e de Londres com aquele país, após o atentado falhado no voo da Delta Airlines no dia de Natal, o Iémen ficou sob os holofotes da imprensa internacional.

 

Uma das falhas da "guerra ao terrorismo" iniciada após os atentados do 11 de Setembro, prende-se com o facto das atenções terem sido praticamente exclusivamente focadas nos palcos do  Iraque e do Afeganistão, remetendo, muitas das vezes, para o esquecimento alguns teatros secundários, sobretudo em África e na Ásia, que têm registado um aumento de actividade terrorista.

 

O próprio Paquistão, um actor preponderante na guerra ao terrorismo, não tem tido a merecida atenção por parte da imprensa internacional, embora neste caso Washington e Londres parecem estar muito atentos ao que se passa naquele país nuclear.

 

Jihadistas infligem golpe ao Governo do Ìémen com divulgação de imagens

Alexandre Guerra, 03.09.09

 

 

Embora distante dos noticiários internacionais e das manchetes dos jornais, o Iémen tem sido um dos palcos mais activos nas movimentações terroristas e antiterroristas desde os atentados do 11 de Setembro. Foi aliás neste país que a CIA procedeu pela primeira vez a assassinatos selectivos no âmbito da "guerra ao terrorismo" lançada pelo ex-Presidente George W. Bush.

 

O Governo do Iémen tem sido um aliado de Washington, mas também de Riade, que pretende conter o extremismo islâmico na sua origem. Porém, o alinhamento de Sanaa tem exacerbado o espírito insurgente islâmico contra o regime e impulsionado uma nova geração de jihadistas, que se têm feito sentir de forma violenta no território, nomeadamente com atentados contra interesses norte-americanos e ocidentais.

 

Desde Novembro de 2001, quando o Presidente do Iémen Ali Abdallah Saleh foi a Washington dar o seu apoio a Bush, que a situação no Iémen tem piorado, com o Governo e os jihadistas a envolverem-se numa verdadeira guerra, provocando centenas de mortes.

 

Apesar disso, o Governo do Iémen tem tentado transmitir para os seus aliados e para a comunidade internacional uma imagem de controlo da situação e de repressão eficaz dos terroristas. Ainda agora em Agosto, o Governo informou de que teria morto 100 rebeldes xiitas.

 

No entanto,  as imagens divulgadas agora pelos mesmos rebeldes xiitas do Iémen (caso se verifique a sua autenticidade), vêm demonstrar que os jihadistas estão mais empenhados e organizados do que aparentemente se pensaria.