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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Guiné Equatorial, uma história de hipocrisia diplomática

Alexandre Guerra, 03.11.16

 

Ainda a propósito da XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, realizada em Brasília, continua a ser muito interessante ver a hipocrisia diplomática de algumas vozes em Lisboa (e não só) face à Guiné Equatorial. Por um lado, lá se fazem umas críticas ao regime de Teodoro Obiang, mas depois é extraordinário ver outros responsáveis nacionais, em jeito de auto-convencimento, a sublinhar que a Guiné Equatorial já informou ter ratificado os estatutos da CPLP e que a decisão da abolição da pena de morte tramitou no processo legislativo e aguarda publicação. Ou seja, mais uma vez, as autoridades portuguesas assumem uma postura de conivência com um regime que, mesmo que ratifique os estatutos da CPLP, que abula a pena de morte (o que ainda está para se ver) e que generalize o ensino do português no país (o que dificilmente acontecerá), continua a ser um dos melhores exemplos de uma ditadura ao bom e velho estilo africano.

 

Relembro algo que aconteceu no ano passado. Cavaco Silva, no prefácio de um dos seus célebres “Roteiros”, revelou que, nas vésperas da X Conferência realizada em Díli, em 2014, foi Timor Leste que se empenhou na adesão da Guiné Equatorial, um processo que contava com o apoio de Angola e do Brasil. Cavaco dava a entender que Portugal tinha resistido a este processo até ao limite e que, quando a comitiva portuguesa chegou a Díli, já nada havia a fazer perante o empenho de Timor Leste. Ora, o antigo Presidente e primeiro-ministro timorense, José Ramos Horta, rejeitou esta versão, referindo que o seu país apenas deu seguimento a um processo que já estava a andar. A verdade é que, tirando alguns protestos diplomáticos de circunstância, de Lisboa nunca se viu um movimento concreto e veemente de oposição à entrada da Guiné Equatorial. Note-se que este país africano se tornou membro de pleno direito da CPLP na cimeira de Díli, em julho de 2014, na sequência de um roteiro de adesão que incluía o fim da pena de morte no país e a disseminação do português naquela antiga colónia espanhola.

 

Não deixa de ser incómodo que, agora, dois anos depois, lá se tenha incluído na declaração final de Brasília que os estados-membros da CPLP se "congratularam com o anúncio da conclusão dos procedimentos internos de ratificação dos Estatutos" da organização por parte da Guiné Equatorial. É ainda mais desconfortável ver como os países da CPLP registaram "com agrado a solicitação da Guiné Equatorial de apoio técnico à harmonização legislativa interna, decorrente da moratória à pena de morte em vigor, no sentido de a converter em abolição". Na prática, desde Díli, que nada foi concretizado daquilo que estava previsto no roteiro. Agora, em Brasília, deram-se uns passos muito curtos, apenas para não cobrir de ridículo os intervenientes na cimeira. A questão é que mesmo que a Guiné Equatorial tivesse cumprido com todos os requisitos nestes dois anos, estaria muito longe daquilo que são os valores e princípios que um país como Portugal e, apesar de tudo, uma organização como a CPLP, defendem e partilham.

 

O regime de Teodoro Obiang é um dos mais corruptos de África e funciona numa lógica familiar, com um dos seus filhos, vice-presidente para a área da segurança e defesa, a ostentar uma vida de luxo, gastando milhões do erário público em gostos extravagantes, que vão desde jatos a mansões de luxo, passando por objectos de Michael Jackson. Neste momento, enfrenta várias investigações, em França e nos EUA. Teodoro Obiang está no poder há quase 37 anos, sendo o líder há mais tempos em exercício de funções em África. A Guiné Equatorial é rica em gás e petróleo, mas a maior parte da sua população vive na pobreza. Faltam hospitais e a água e luz é um sonho para muitos dos habitantes daquele país. A Amnistia Internacional acusa aquele regime de praticar tortura recorrentemente e detenções arbitrárias contra os críticos do Governo.

 

CPLP, que caminho a seguir?

Alexandre Guerra, 07.02.12

 

 

A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) inaugurou esta Segunda-feira a sua nova sede em Lisboa, numa cerimónia com direito a “honras de Estado” e marcada por várias figuras políticas lusófonas, entre as quais o Presidente português, Cavaco Silva, e o chefe de Governo, Pedro Passos Coelho.

 

Localizada no Palácio do Conde de Penafiel, em pleno centro histórico da capital portuguesa, a nova sede terá toda a dignidade que uma organização intergovernamental deve ter, mas é importante que imprima uma nova dinâmica à CPLP, correndo, esta, o risco de se auto-condenar à irrelevância e descrédito. 

 

Quinze anos volvidos desde a sua criação, será legítimo perguntar para que tem servido a CPLP?

 

Talvez seja, mas a resposta não é imediata, sobretudo porque é difícil vislumbrar os resultados concretos da sua acção. Porém, isso não quer dizer que esses mesmos resultados não existam. Podem é ser menos expressivos em relação àquilo que tinha sido perspectivado, entusiastica e ingenuamente, aquando da criação da CPLP.

 

Sobre este aspecto, Fernando Jorge Cardoso, director do programa para África do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais (IEEI), faz uma leitura certeira no jornal Público ao referir que os balanços da CPLP são sempre negativos porque as “expectativas eram irrealistas desde o princípio”. Um facto indesmentível.

 

Apesar de muitos o desejarem, nunca se podia esperar que em poucos anos a CPLP assumisse um peso político tão relevante e uma dinâmica tão oleada no seu funcionamento como acontece numa Commonwealth ou uma Organização Internacional da Francofonia.

 

Talvez estes quinzes anos tenham sido importantes para reposicionar, de forma realista, a CPLP em função dos interesses dos Estados-membro e dos objectivos a que se propõe.

 

Seria, assim, injusto dizer que a CPLP não tem feito trabalho neste seu ainda curto percurso. Provavelmente, e depois da euforia inicial – que o autor destas linhas recorda bem dos tempos universitários quando se falava nesta organização na segunda metade dos anos 90 –, a CPLP fez o caminho possível.

 

Na opinião do Diplomata, o principal feito da CPLP até ao momento talvez tenha sido o facto de ter proporcionado a criação de uma espécie de fórum político-diplomático permanente ao mais alto nível entre os vários países lusófonos.

 

Este aspecto não é menor e pode assumir contornos politicamente relevantes quando determinado Estado-membro pretende amplificar a sua mensagem junto da comunidade internacional.

 

Exemplos disso foram referidos pelo embaixador brasileiro em Lisboa, Mário Vilalva, ao lembrar que Portugal beneficiou do apoio da CPLP no processo de candidatura ao Conselho de Segurança, tal como o Brasil também contou com a ajuda da organização para eleger José Graziano da Silva para o cargo de director-geral da FAO.  

 

Tenha sido ou não pela intervenção da CPLP, a verdade é que ambas as candidaturas chegaram a bom porto.

 

Num patamar mais operacional e funcional, outros exemplos há a registar de iniciativas que resultaram em algo concreto. O ex-Presidente da República portuguesa, Jorge Sampaio, e actual representante da ONU para a Aliança das Nações, sublinhou as políticas de cooperação na área da saúde, destacando as “associações de faculdades e o intercâmbio de professores”.

 

No entanto, desenganem-se aqueles que pensam que a CPLP poderá funcionar como um catalisador nas relações comerciais entre os Estados-membros. Além de não ser esse o seu propósito, dificilmente a CPLP o conseguirá, porque aí os interesses jogam-se de forma bilateral e em espaços geográficos que dificilmente correspondem à área lusófona.

 

As relações comerciais entre os países lusófonos são tímidas ou mesmo inexistentes e aquelas que prevalecem, como entre Angola e Brasil, não estão dependentes da CPLP.

 

Fonte: Público

 

Veja-se, por exemplo, que não existe dinamismo económico entre Angola e Moçambique, nem mesmo entre Angola e São Tomé ou a Guiné Bissau. Moçambique, por exemplo, está claramente integrado num espaço comercial anglófono, sobretudo com a África do Sul, enquanto Timor Leste tem como um dos principais parceiros, naturalmente, a Austrália.

 

Neste ponto, Portugal, sobretudo pelas razões históricas, mantém laços comerciais com quase todos os países lusófonos, embora nalguns casos ténues.

 

Não haja ilusões, no seio da CPLP, no que diz respeito à economia, cada país seguirá a sua agenda. Aliás, este é um dos factores diferenciadores da natureza da CPLP em relação a organizações semelhantes, como a Commonwealth ou a Organização Internacional da Francofonia.

 

O Reino Unido e a França, também outrora potências colonizadoras, mantiveram um certo estatuto de poder (político, cultural e económico) no sistema internacional que lhes permitiu abranger todo o espaço geográfico dos antigos impérios coloniais. De tal forma, que no caso da Commonwealth a Rainha inglesa continua a ser o chefe de Estado desses mesmos países.

 

Portugal, por seu lado, foi remetido para um lugar secundário na História, vendo países como Angola ou o Brasil emergirem nas relações internacionais como as novas “estrelas” da companhia.

 

Se Londres e Paris ainda têm poder para gerar uma força nuclear que atraia e influencie os seus parceiros linguísticos, já Lisboa tem tanto poder de atracção junto dos seus parceiros como uma velhota num baile de adolescentes.

 

Perante uma Angola voraz e um Brasil pujante e confiante, Lisboa representa o Velho Mundo, desinteressante, decrépito e sem capacidade de oferecer algo aliciante àquelas potências emergentes.

 

Os principais interesses económicos de países como Angola ou o Brasil não passam pela CPLP e muito menos por Lisboa. E, admita-se, nem os vitais interesses comerciais de Timor Leste ou de Moçambique palpitam em Lisboa.   

 

Isto não significa que a CPLP esteja esvaziada nos seus propósitos. Pelo contrário, o Diplomata acredita que aquela organização pode desempenhar um papel importante nos vectores político e diplomático, como aliás já ficou demonstrado.

 

E mesmo os países mais poderosos como Angola ou o Brasil poderão ter muito a ganhar enquanto membros de um “bloco” como a CPLP, sobretudo na intervenção junto de outras organizações internacionais, nomeadamente a ONU.

 

Naturalmente, também os outros Estados-membros da CPLP poderão amplificar os seus interesses político-diplomáticos através desta organização, com uma forte base cultural, histórica e, claro está, linguística.

 

Texto publicado originalmente no Forte Apache.


Pensar a lusofonia como elemento de concertação de interesses no âmbito da CPLP

Alexandre Guerra, 07.06.11

 

O Paulo Gorjão, Director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS), é dos poucos que tem abordado o tema da lusofonia na imprensa nacional enquanto factor estratégico na diplomacia dos Estados de língua portuguesa. Esta Terça-feira, na sua habitual crónica no jornal i, volta a falar neste tema, sobretudo na importância da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) ter uma estratégia lusófona concertada nos grandes palcos internacionais. 

 

Já há umas semanas, no âmbito dos programas eleitorais dos dois principais partidos em Portugal, o Diplomata alertava para ausência de uma lógica consistente na forma de se pensar a lusofonia enquanto factor de poder.