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O Diplomata

Opinião e Análise de Assuntos Políticos e Relações Internacionais

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Rever Margin Call e relembrar a crise do sistema financeiro

Alexandre Guerra, 31.08.16

 

Depois do rebentamento da crise de 2008 e de tudo o que aconteceu (e ainda está a acontecer) no sistema financeiro internacional, rever o filme Margin Call é um exercício de regresso a uma dura e cruel realidade, apesar dos mecanismos e proclamações que os governantes têm adoptado ao longo dos últimos anos. Porque, a questão é que no espírito da coisa tudo ficou (praticamente) igual e para isso basta atentar no que se tem vindo a saber em vários processos das "leaks" ou nalguns casos mais recentes de colapso ou pré-colapso de grandes bancos. Tudo sintomas de uma certa condição humana que, por mais capacidade legislativa que se tenha, não desaparece. E Margin Call salienta precisamente esse facto.

 

É um filme independente lançado em Janeiro de 2011 no Festival de Sundance e que retrata o colapso de um banco de investimento de Wall Street, numa clara alusão ao início da hecatombe do sistema financeiro em 2008, com a queda do Lehman Brothers. Um dos aspectos interessantes deste filme prende-se com a humanização de todo o processo que conduziu à implosão do sistema financeiro. Ou seja, a crise não teve origem numa falha sistémica, mas sim no "erro (consciente) humano", em acções imputáveis aos (poucos) privilegiados que vivem e usufruem da "cidade do pecado", Wall Street.

 

A ganância, o lucro rápido, a adoração pelo dinheiro, a sacralização da teoria dos "jogos de soma nula" e a crença da infalibilidade do sistema financeiro são algumas das características do que se pode chamar de capitalismo desregulado. Em Margin Call tudo isto é muito bem retratado.

 

Mas a passagem mais bem conseguida deste filme surge no final (em baixo), num diálogo magistral entre Jeremy Irons, no papel de Chairman of the Board do banco de investimento, e Kevin Spacey, no papel de Head of Sales and Trading daquela instituição.

 

Irons, um implacável crente do sistema financeiro anárquico, e Spacey, um veterano jogador de Wall Street que é confrontado com a sua consciência, estão frente a frente, numa andar alto de uma torre de Wall Street, num ambiente calmo, horas após a noite trágica em que colapsou o seu banco de investimento e que espoletou o turbilhão no sistema financeiro.

 

Naquele "day after", Irons, a tomar o pequeno almoço, explica calmamente a Spacey a "normalidade" histórica do sucedido, e que depois da "tempestade" nem tudo é assim tão mau, já que, bem vistas as coisas, até é possível retirarem-se dividendos de toda aquela situação. Em suma, aquilo que Irons diz a Spacey é que tudo ficará na mesma, com os mesmos a continuarem a usufruir da "cidade do pecado" e todos os outros a perderem nesse jogo. A reacção amarga mas conformada de Spacey é a confirmação disso mesmo.